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Geração sem (des)culpa

Eles não têm religião nem sentem culpa de nada. Morrem de rir dessa tal culpa católica, que, para eles, não quer dizer nada. Eles não pedem desculpas nem quando cometem a loucura de viver. Eles bebem demais, mas não têm ressaca moral. No dia seguinte, só pensam no que fizeram quando estão passando mal. Aí todos à volta têm culpa porque eles beberam demais. Haja ouvido para tanta gritaria e blasfêmia! As mães, pobres mães, fazem chá de folhas de boldo, trocam ele cama para que eles durmam mais tranquilos e curem depressa a ressaca da vida.

Eles reclamam demorar num apartamento grande, na Região Sul da cidade, mas e o barulho da rua, para quem quer dormir atarde toda? Dizem que o lugar é um inferno, porque eles não ouvem os ruídos internos. Eles estudam espanhol, inglês, alemão, francês e italiano, mas só falam palavrões. Têm carro, mas não sabem dirigir, porque não foram educados para isso. Xingam o motorista que, por acaso, está à sua frente, disputam com o motorista ao lado e ai daquele que passar adiante.

Eles são nossos filhos. Filhos das facilidades, da descrença, da falta de fé, de limites. Filhos da falta de pais. Dos pais que não são pais e que querem colo no lugar de dar o ombro. São filhos do nada, do caos instalado, da falta do que fazer. São filhos de um mundo caduco, feio, que não oferece nada em troca, que consome as vísceras de seus jovens, que só deixa o osso para roer. Eles são nossos filhos, que sempre põem a culpa em nós, que damos tudo por sentirmos culpa o tempo inteiro.

Eles podem dormir o dia inteiro, mas nós, as mães, bem-feito, temos de trabalhar o dia todo para dar do bom e do melhor para eles. As mães têm de ficar acordadas, sobressaltadas, para atender os desejos insaciáveis dos filhos. Mas por que reclamar? Fomos nós que criamos esses filhos. E por que reclamar, se vocês também bebem, fumam, também têm medo e vontade de explodir o mundo?

Eles não têm irmãos. São filhos da solidão das metrópoles, da vida difícil, das novas configurações familiares, de mães sozinhas. Eles, então, gritam, xingam, nunca estão satisfeitos, querem mais. Não sabem lidar com as mulheres nem com os homens, mas são nossos filhos e a gente continua fazendo tudo por eles. Por culpa de não sei o quê!

Olhem os carros dos filhos, não foram vocês mesmos que deram? Vocês nunca tiveram carro, mas quiseram suprir uma necessidade que eles não têm. Eles nunca pediram carro, porque vocês deram sem que eles reivindicassem? Agora, aguentem o mundo moderno, com seus sustos e leis secas. Aguentem a secura geral, a falta de conversa e de ternura. Aguentem...

Eles são filhos sem Deus. Não querem nem ouvir falar em igrejas. Nem em psicanalistas, porque acham que são lúcidos demais, que terapia é para doido e não adianta falar, pedir, suplicar. Coisa de doido essa de educar filho num mundo sem lei, sem exemplo, sem rumo, um mundo de sombras imersas dentro das casas.

Eles nada sabem sobre incomodar o outro. Não entendem que no andar debaixo há uma velha senhora que dorme às 10 da noite. Não, nessa república de rapazes do interior, o barulho começa na sexta-feira à noite e só termina no domingo. A senhora que já passou dos 90 não escuta os ruídos da juventude, mas conhece a falta de respeito: "Não escutei nada, mas também não dormi à noite toda". Ela ficou acordada, querendo aconchego sem saber por quê, pedindo a paz que lhe roubaram.

Eles nem ligam porque nunca tiveram de lutar por nada. Recebem pronto. São filhos da mordomia proporcionada pelos pais que nem imaginam o que eles fazem, pois estão a quilômetros de distância. Mas eles são nossos filhos e precisam de nós. São filhos da zoeira interna e externa. É só ver o carro deles nas garagens dos prédios. Carros caros para que eles venham estudar na capital, em faculdades particulares, pagas com o dinheiro dos pais.

Eles são filhos dessa geleia geral, desse caos. Não têm identidade nem projeto de vida, mas vivem testando, como se tudo fosse permitido. Mas eles são nossos filhos! E a gente aproveita para rezar e para ouvir do psicanalista que educar é uma tarefa impossível.

Déa Januzzi
(Estado de Minas, setembro de 2005)

 
  Dea Januzzi
Jornalista do Estado de Minas. Titular da coluna "Coração de Mãe"

Artigo publicado em 26/01/2013


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